Ao argumento de falta de espaço para a guarda dos processos trabalhistas já findos, está sendo implementada política administrativa interna no TST e nos Regionais para queima dos respectivos processos, violando-se o direito dos cidadãos à memória dos documentos que estão sendo incinerados, sendo que existe voto da Ministra Elen Grace, apontando para a inconstitucionalidade desse tipo de ação, por violar o direito do cidadão à memória dos documentos que estão correndo o risco de serem queimados. A ABRAT tem, já de há tempos defendido a posição contrária a tais atos de queima de memória de autos findos. Entendemos que a Ordem dos Advogados do Brasil, na defesa da cidadania, tem o dever de posicionar-se contra esse processo de queima de autos findos, compelindo-se o poder público a manter intacto o direito do cidadão a essa memória de autos findos, ainda que por microfilmagem.
Sustenta o “Memorial”, com base em estudos realizados por sua equipe técnica, que a guarda em meio papel é a mais recomendável estratégia de preservação documental, tanto por ser mais econômica como por garantir a autenticidade e segurança das fontes.
Não sendo possível a guarda dos documentos em meio papel, a microfilmagem é a alternativa de mudança do suporte da informação mais indicada, tanto pelo menor custo em relação às demais, como por ser o meio mais seguro de preservação, não suscetível aos diversos problemas que o meio digital enfrenta: obsolescência tecnológica, migrações, durabilidade das mídias, segurança e fidedignidade das informações.
O Memorial sedia pesquisa de pós-doutorado que, com recursos de instituição fomentadora à pesquisa, a FAPESP, possibilitou a microfilmagem de cerca de 400 processos, experiência que se, por um lado, demonstra a viabilidade dessa estratégia de preservação documental, por outro desmistifica a tese do custo elevado desse meio.
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A ELIMINAÇÃO DE AUTOS FINDOS
A Constituição Federal de 1988 elenca, em seu artigo 5º, como um dos pilares fundamentais da democracia, o direito de acesso à informação (art. 5º, XIV), à luz da compreensão de que a democracia é o regime do poder visível, não tolerando o poder que oculta ou o poder que se oculta. Ainda nesse mesmo artigo, o acesso à Justiça é assegurado como direito ao conjunto dos cidadãos brasileiros. Trata-se de um direito prestacional a ser assegurado a todos pelo Estado visando à concretização da dignidade humana (artigos 1º, III e 5º, incisos XXXV e LXXIV), devendo ser produtor de resultados socialmente justos (artigo 3º, inciso III, que trata do princípio da Justiça Social). A Constituição Federal, assim, assegura amplamente o direito de ação, direito que está amalgamado no princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º,III).
Partindo-se do direito de acesso à informação e da compreensão do acesso à Justiça como um direito prestacional a ser a todos assegurado pelo Estado, nos marcos constitucionais vigentes tem-se que não apenas o instituto da gratuidade da justiça é base para o acesso ao Poder Judiciário, mas também o direito à ampla produção da prova e da preservação dos dados e das informações que os pleitos judiciais contempla. Sendo prestação da atividade jurisdicional atribuição afeta ao Poder Judiciário, esta não pode ser restringida ou seu exercício não pode ser impedido por quaisquer obstáculos ao direito de acesso ao Judiciário, sob pena de lesão à força normativa da Constituição da República e desrespeitados seus princípios.
Ou seja, de nada adianta assegurar o direito de acesso ao Judiciário e o de acesso à informação, se esta não é preservada, ou ainda, se preservada, não esteja disponível ou em condições de ser acessada, por não estar organizada de modo a possibilitar a sua localização e a sua recuperação. O constituinte brasileiro estava atento a essas questões, não as deixando sem resposta visando a que o direito de acesso ao Poder Judiciário possa ser concretizado, compreendido, ainda, o direito à produção da prova como integrante desse acesso. Atento a essas questões, o constituinte brasileiro elevou os documentos (que contemplas as informações à categoria de patrimônio cultural brasileiro ao lado de outros bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência a identidade, a ação, a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, determinando ao Poder Público a sua promoção e proteção (art. 23 – III e IV da CF). Tamanha a importância desses direitos (acesso ao Judiciário e acesso à informação) ao regime democrático que o constituinte não parou aí. Ciente de que o direito à ampla defesa e à produção da prova insere-se no dever do Estado de fazer a entrega completa da prestação jurisdidional e preocupado em especificar a forma pela qual a proteção ao patrimônio documental brasileiro deva ser realizada, dispôs caber à Administração Pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitarem.
E ciente de que pode haver lesões a direitos, previu instrumentos jurídicos colocando-os ao alcance dos cidadãos para a defesa dessa lesão. No caso da preservação documental, por exemplo, além das ações penais, disciplinou as ações civis públicas (artigos 127 e 129 da Constittuição) como instrumentos que viabilizam a tutela, dentre outros bens jurídicos, do patrimônio cultural brasileiro, como segue.
- Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
- Art. 129; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Ao Ministério Público cabe assegurar-se de que o Poder Judiciário cumpra as determinações legais vigentes sobre a preservação e o acesso ao patrimônio arquivístico sobre sua guarda. Pode o Ministério Público contar com a expedição de Recomendação, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta ou com a propositura de Ação Civil Pública.
Exemplos da utilização desse instrumento podem ser encontrados na ADIn nº 599426905, que questionou os critérios adotados pela Administração do Judiciário na esfera estadual gaúcha quanto à eliminação de algumas espécies de processos criminais, e na ADIn nº 1919/8-SP, movida pelo Procurador-Geral da República, suspendendo o regramento de provimento do Conselho Superior de Magistratura do Estado de São Paulo que autorizava a eliminação de autos findos, conforme referido pelo Presidente do Tribunal de Justiça do RS, Desembargador José Eugênio Tedesco[2].
No caso da ADIn nº 1919/8-SP, é importante referir que a OAB de São Paulo apresentou representação junto ao Ministério Público daquele Estado contra ato normativo do STJ que orientava a eliminação de autos findos na Justiça Estadual. A representação gerou uma ação direta de inconstitucionalidade, que foi julgada prejudicada em função da revogação daquele ato normativo. A partir de então, tomou-se por referência o voto da Ministra Ellen Grace, paradigmático no sentido de reconhecer a condição pública dos arquivos judiciais.
[1] Apresentação no Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais da Justiça do Trabalho, realizada pela juíza Anita Lübbe, juíza titular da Vara do Trabalho de Guaíba e membro da Comissão do Memorial da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul.
[2] TEDESCO, José Eugênio - Os arquivos judiciais e o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul
6)- A EC 45, DESACOMPANHADA DO SUPORTE ESTRUTURAL NECESSÁRIO AO ATENDIMENTO DAS NOVAS DEMANDAS.
A EC 45 ampliou significativamente a competência da Justiça do Trabalho para decidir e julgar ações envolvendo relações de trabalho e não mais o vínculo empregatício, incluindo as indenizações por dano material e moral decorrente de acidente do trabalho e dos adoecimentos ocupacionais.
A Justiça do Trabalho que já estava assoberbada pelo volume dos processos que tramitavam, com o aumento da competência, a quantidade de processos que agora tramitam se multiplicou, mas não houve qualquer preocupação do executivo até agora em dotar a Justiça do Trabalho de nova reestruturação técnica, administrativa, funcional que se faz necessária para o atendimento dessas novas demandas, e de alta complexidade que envolve as novas matérias, pela competência ampliada. O volume de trabalho aumentou exageradamente, mas a estrutura física, funcional, continua a mesma. Sabemos da existência de adoecimentos laborais, até mesmo por parte de muitos juízes que estão sendo obrigados a dar cobro do aumento dos serviços, não contando com número adequado de funcionários e nem mesmo de um auxiliar que lhe digite as sentenças, o que tem provocado o estresse ocupacional e mesmo a doença que passou a ser conhecida como Ler-Dort. Assim, os magistrados do trabalho que tem a missão de julgar as ações decorrentes de acidentes do trabalho, na contra-mão, sentem-se desprotegidos pelo Estado, já que expostos também a sérios riscos ocupacionais de desenvolvimento de doenças do trabalho.
Sabedor dessa situação gravíssima no Poder Judiciário Trabalhista, estamos propondo uma atuação firme, séria, urgente e inadiável, no sentido de levar esses fatos lamentáveis ao Poder Executivo e Legislativo, para que se dê o suporte econômico necessário a uma restruturação urgente, dotando-se a Justiça do Trabalho de meios e recursos para a adequação de sua estrutura administrativa e funcional, com novos espaços, mobiliários, pessoal, visando possibilitar a entrega da prestação jurisdicional em seu mérito, dando-se efetividade aos direitos tutelados ao cidadão e não a entrega de uma prestação jurisdicional precária, onde se exige produtividade e não qualidade da prestação laboral, descumprindo-se os primados do trabalho assegurados pela Carta Cidadã, em benefício da própria torpeza do mau empregador que na vigência contratual não adimple suas obrigações do contrato, em prejuízo do trabalhador que já despendeu suas energias consumidas e que não podem ser repostas.
Luiz Salvador
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