Ontem eu ia para o hospital quando ouvi no rádio que Guido Araujo tinha morrido, confirmando a mensagens que tinha recebido no zape. O mundo corre mais do que aguenta nossas pernas. Mário Kertész se lamentava da morte de Guido, que tinha sido um grande batalhador, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Me deu vontade e perguntar-lhe o que ele tinha feito por Guido e pelo cinema baiano quando estava por cima na política. Mas fiquei calado e me programei para o enterro, se amanhecer melhor.
Eu continuo dizendo enterro, apesar de saber que nosso Guido preferiu pregar uma peça em Deus. Preferiu ser queimado. Imagine o trabalho que o Divino vai ter para ressuscitar os mortos no juízo final. Se para reunir ossos vai dar trabalho, imagine cinzas.
Mas, o fato é que saímos para o cemitério. Eu, a mulher e mais algumas pessoas. Subimos uma ladeira cheia de curvas que vai perto do Jardim da Saudade e depois outra que vai dar no crematório. Na igreja, que era enorme, uma multidão, a maioria mulheres rezava e chorava em torno do ataúde de Guido imerso numa grande piscina.
Eu, que me dei conta que estava de paletó e gravata, mas descalço, fiquei envergonhado e ao mesmo tempo com nojo daquele chão batido. Sim. A igreja era de chão batido. Meus olhos procuraram em vão uma pessoa amiga, conhecida, minha e dele. Não vi ninguém. Onde andam teus amigos Guido, pensei. Em procurei os mais famosos, mais conhecido. Ninguém. Sabia ter ali alguns parentes do morto, só.
Disse, meio para mim, meio para todos. Mas assim molhado o cachão não vai queimar. Alguém respondeu: Queima, a temperatura do forno é muito alta, queima até pensamento.
Pensei comigo, se queimarem o pensamento do Guido, ele está lenhado e acordei.